O que uma coisa tem a ver com as outras???
Eu tinha 9 anos. Estava na quarta-série. A Carol, aquela pentelha, ai... Vivia me zoando. Por tudo. Era uma baixinha realmente irritante. E eu, bocózinha, cabeluda, quatro olhos, nerd, cdf... A vítima perfeita. Não ficava simplesmente irritada, ficava magoada. Já tinha até apanhado dela, que devia ter a metade do meu tamanho.
Um belo dia, nunca vou descobrir por quê, ela me deu seu Caderno de Perguntas pra responder. Ué, eu??? Eu não era da patota, eu não era uma escolhida, eu não era popular. Fala sério, ela me odiava!!! Ou Não fiz questionamentos. Botei o caderno na mala e levei pra casa.
Mais tarde, em casa, na hora de responder... Aquela coceirinha na mão... Bem, eu despejei no caderno tudo o que estava entalado por tanto tempo de raiva guardada daquela menina. Eu dei um jeito de falar mal dela em quase todas as perguntas. Não lembro bem o que respondi. Só lembro que na clássica pergunta "Quem é sua melhor amiga?" - que geralmente era respondida com uma lista de nomes, pra não queimar o filme com as possíveis próximas respondedoras, e que invariavelmente incluía o nome da dona do caderno - eu respondi algo como "Você é que não é. Depois de tanto tempo me xingando e zoando comigo, você não ia querer que eu respondesse que era você, né?". E no final, no "Deixe um recado para a dona do caderno", eu deixei um recado dizendo que ela teve o que merecia e que enfim eu tinha me vingado dela. E ainda inclui uma risada malévola: "HA HA HA HA...".
Na manhã seguinte, dia de entregar o caderno, uma novidade me aguardava. Uma mancha estranha na minha calcinha. Há um ano e meio eu enfrentava um monte de médicos e discussões de por quê eu estava me desenvolvendo tão cedo e de com qual altura eu iria ficar; portanto, eu já já imaginava o que era aquilo. Contei pra minha avó, ela me deu um absorvente e fui pro banheiro tentar colocar. Tentei lembrar do que minha mãe (quenaquela hora estava no trabalho) tinha me ensinado, rapidamente e cheia de vergonha, algum tempo antes. "Você tira essa fitinha, gruda ali... Ei, pra que lado vai esse negócio grudento?". A coisa é pra ficar presa no seu corpo, certo? Logo, imaginei que o lado grudento era pra ficar virado pra cima, em contato com a pele. Terminei de me vestir e fui pro colégio.
Entreguei o caderno sem dizer nada. Fiquei de alma lavada. Mal podia esperar para que ela lesse e sentisse o efeito da minha vingança maligna. E se ela continuasse a usar aquele caderno, todas a próximas respondedoras leriam e saberiam quem de fato ela era. HA HA HA HA...
Na saída, minha mãe foi me buscar. O primeiro assunto, a menstruação. Ela disse que iria conferir se eu estava mesmo menstruada assim que chegássemos ao seu consultório (ela é dentista, me levava pro consultório depois do colégio e eu ficava lá com ela até o fim do expediente). O segundo assunto, o Caderno de Perguntas! Contei sobre minha vingança, feliz por estar compartilhando com alguém a minha conquista. "O quê??? Você fez isso no caderno da menina??? Você estragou o caderno dela!!! Ela dá o caderno pra você responder e você faz uma coisa dessas??? Isso não se faz!!!". Bem, se eu não sabia o significado de culpa até aquele dia, naquele exato instante eu descobri qual era. na hora já senti um desespero, um peso na barriga, um bolo no estômago, que eu nunca vou esquecer. Fiquei realmente nervosa.
Chegando ao consultório, mamãe foi conferir a minha menstruação. Não entendeu nada ao encontrar o absorvente virado de cabeça pra baixo, e deu risada da minha explicação. Mas era tão pouco sangue que estava ali, só um corrimentozinho, que ela disse que aquilo não era menstruação. Só no dia seguinte, com o aumento do fluxo, ela pôde afirmar que se tratava de fato da minha menarca. Naquela semana eu tinha lido que um estresse muito grande poderia causar a suspensão do fluxo menstrual. "Tá explicado", pensei eu, "fiquei muito nervosa quando a minha mãe brigou comigo por causa do caderno e parei de menstruar!". Assumi essa explicação como verdadeira até não muito tempo atrás.
E o dia seguinte foi dia também de comprar um caderno novinho em folha e levar de presente pra Carol. Logo que me viu, ela já foi dizendo "Pôxa, Thais, você se vingou, hein?". Não com raiva, nem me zoando. Acho que uma pontada tambgém de peso na consciência por tudo o que ela tinha feito comigo até então. Eu pedi desculpas e entreguei o caderno novo. Alguns dias depois, ela veio me entregar o caderno, com um jeito pensativo, ressabiado. "Dessa vez você não vai zoar?", perguntou. Respondi direitinho, como uma mocinha. Acabamos nos tornando amigas, convivendo pacificamente e atré trocando alguns segredinhos, até que a Carol mudou de colégio.
Coincidentemente, ela foi estudar no colégio da minha prima. Então, pelo menos uma vez por ano nos encontrávamos, nas festas juninas. Por algum tempo ela me reconheceu, nos cumprimentávamos, conversávamos. Até que um ano ela não me reconheceu mais. "Oi, Carol, lembra de mim?". " Não". Esqueceu. Ou fingiu que esqueceu.
Mas dessa história de caderno, vingança e minha primeira menstruação... Eu nunca vou esquecer.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Sobre cadernos, vingança e menstruação
Postado por Anônimo às 00:39
Marcadores: interrogatório, menstruação, perguntas, questionário, responda
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4 comentários:
Texto digno do livro Confissões de Adolescente, viu? Adorei! =)
Opa, esse elogio foi mesmo bom, hehe! Brigadão!!!!!!
kkkkkkkkk... que ótimo.
Acho que eu já cheguei a pegar o caderno de alguém que eu não gostava...
Mas uma coisa que eu achava absurda... pô, a gente com 10 anos respondendo caderno de gente da mesma idade, e sempre tinha lá "você é virgem?". Eu ficava encafifada.
Mas era legal essa época. Minha irmã era mais popular que eu, então responder ao caderno dela é que era uma honra kkkkk
Nossa!!!
Você acabou com a menina!!!
ahahahahahahahaha
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